Atendimento no SUS a pessoas trans também em relação ao sexo biológico garante direito básico da CF

O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, no início deste mês de julho, que o Ministério da Saúde deve garantir atendimento médico a pessoas transexuais e travestis inclusive em especialidades relativas a seu sexo biológico. A decisão foi resultado de julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 787, que teve como relator o ministro Gilmar Mendes. Para a relatoria, a burocracia enfrentada pelo público em questão violava o direito à saúde de homens e mulheres trans. 

A ação foi movida pelo Partido dos Trabalhadores (PT), que relatou a dificuldade de acesso da população trans a consultas médicas especializadas, principalmente nos casos em que a pessoa ainda não fez o procedimento de transgenitalização (cirurgia para troca de gênero). Desde junho de 2021, liminar concedida pelo ministro determinou que o SUS realizasse a adaptação e atualização dos procedimentos médicos, mas um homem trans que ainda possuía os órgãos sexuais femininos ainda não conseguia uma consulta em um ginecologista, por exemplo. 

Para Mendes, é imperativo "assegurar o direito ao atendimento médico no SUS de acordo com o aparato biológico e com as necessidades fisiológicas da pessoa, e deve ser garantida à população LGBTQIA+ o pleno e irrestrito acesso às políticas públicas de saúde ofertadas pelo Estado em condições de igualdade com todo e qualquer cidadão brasileiro”. 

No dia 28 de junho, em julgamento, o ministro reiterou: o Ministério da Saúde deve atualizar os sistemas do SUS para garantir o pleno acesso a atendimentos médicos pela população trans, informando as mudanças aos estados e municípios. A mudança, além de garantir um direito básico previsto na Constituição Brasileira, que trata do acesso à saúde, evita ações que causam constrangimento, discriminação e sofrimento à pessoa trans.

Para a assistente social e gerente da Diversidade Sexual e de Gênero da Secretaria de Estado de Igualdade Racial e Direitos Humanos (SEIRDH), Barbara Caroline Oliveira, a decisão do STF irá impactar positivamente na garantia do direito à saúde para população de travestis e transexuais, pois existem especificidades de saúde e biológicas que necessitam de acompanhamento de profissionais especialistas, mesmo sem a pessoa ter realizado qualquer tipo de procedimento cirúrgico.

"Está decisão também irá ampliar o número de acesso à saúde, uma vez que, serão necessários profissionais especialistas para atender a população trans do Pará, bem como de atendimentos que antes não eram realizados, como por exemplo, a realização de determinados exames de saúde. Segundo dados da Secretaria de Estado de Saúde (Sespa), são cadastradas mais de 300 pessoas trans no projeto casulo (ambulatório transexualizador) na policlínica do Estado", explica. 

Atualmente, a SEIRDH atua na orientação e acompanhamento dos casos que estão em fase inicial para adesão ao projeto casulo; já a realização dos procedimentos do ambulatório transexualizador na policlínica é de responsabilidade da Sespa.

A turismóloga e ativista Mellanie Marques, mulher trans de 26 anos, comemora o que classifica como um passo positivo e um avanço significativo que são resultado de anos de luta do movimento. "Saúde pública é um direito de todos e que é nos negado, na maioria das vezes. Acesso escasso e precário. Com essa decisão, acredito que teremos uma facilidade maior na busca por atendimentos especializados de acordo com nosso corpo", pontua. 

Mellanie ressalta que a garantia de direitos nunca foi fácil para a população. "São anos de muita luta para garantirmos o básico, como o direito à saúde. Mesmo que seja direito constitucional, na realidade não nos é garantido. Então, acredito que para assegurarmos essa decisão e que ela seja de fato cumprida, devemos continuar na luta". 

Mas, para a ativista, ainda há um caminho longo a ser percorrido. "Levando em consideração os anos de lutas e resistência de nossa população LGBTQIA+, vejo que os avanços ainda são poucos. É como se a cada 10, 20 anos, conseguíssemos conquistar um direito. E que nem sempre é garantido de fato. Não queremos nada a mais, mas sim tudo igual. Ter facilidade na hora de procurar nossos direitos e sermos atendidos com respeito e dignidade", concluiu.